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Petrópolis é berço de um dos maiores gênios da MPB: Guerra-Peixe

Petrópolis é berço de um dos maiores gênios da MPB: Guerra-Peixe

* Publicando aqui o texto de Daniele Martins, convidada pelos Sesc para escrever sobre a memória (antiga e presente) de Petrópolis para o material de divulgação do Festival Sesc de Inverno . Uma justa homenagem ao Maestro Guerra-Peixe.

A Cidade Imperial, conhecida mundialmente por ter sido uma das residências da família real no Brasil, também acumula o título de ser a terra natal de um dos mais ilustres compositores brasileiros, o maestro César Guerra-Peixe. Filho de imigrantes portugueses, o violinista petropolitano dedicou, desde muito cedo, a sua vida à música. Ao longo de mais de setenta anos, ele apresentou suas obras em diferentes países, conquistou premiações, além de ter sido um árduo defensor da estética musical nacional. Em Petrópolis, compôs cânticos que ainda estão presentes no repertório musical da banda do 32º Batalhão de Infantaria Leve (32º BIL) e também no Coral Municipal da cidade. Como forma de agradecimento ao músico, o município criou um prêmio anual que recebe o nome do artista e revela as personalidades que mais contribuem para a cultura local.

O artista, com forte influência de Mario de Andrade, foi um dos poucos compositores brasileiros nacionalistas que soube transitar entre o erudito e popular, capaz de compor de fuga e sinfonia a marcha-rancho e samba. Com uma trajetória musical dividida em três fases distintas: inicial, dodecafônica e nacional, ele foi regente das Orquestras Sinfônicas Nacional, Brasileira e do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O músico também foi compositor e arranjador de grandes nomes da MPB, como Tom Jobim, Chico Buarque, Luiz Gonzaga, entre outros.

O maestro Guerra-Peixe nasceu no dia 18 de março de 1914. Caçula de dez irmãos, aprendeu com o pai, que era ferrador de cavalos e músico amador, um pouco de violão, já aos seis anos de idade. No ano seguinte, tocava bandolim, violino e piano. Com apenas oito, o músico estreia em um grupo de chorinho na Semana de Arte Moderna, em 1922. Aos nove, ao dedilhar o piano, descobre o acordeão.

Em 1925, ele começa a aprender solfejo, piano e violino, na Escola de Música Santa Cecília, em Petrópolis. Ao final de dois anos, ele recebe a medalha de ouro da instituição como prêmio em face do seu aproveitamento no curso de violino, o qual foi concluído em apenas cinco anos ao invés de oito. Passa a lecionar aulas na renomada instituição, primeiro como professor adjunto e, antes dos 20 anos, se torna um catedrático. O seu primeiro trabalho como violinista acontece em 1928, nas sessões de cinema mudo no Cine Glória, um dos cinco primeiros cinemas criados na cidade.

Em 1938, ele inicia seus estudos no Conservatório de Música sobre contraponto, fuga e composição com o memorável professor Newton Pádua. O aluno, em 1971, passaria a ocupar a cadeira do mestre (nº 34) na Academia Brasileira de Música. Mas é em 1941 que o músico rege, pela primeira vez, uma orquestra, em sua estreia no cinema com o filme “O Dia é Nosso”, comédia caipira da Cinédia, dirigida por Milton Rodrigues.

Um ano depois, tem início a sua fase como compositor, com a marcha “Fibra de Herói”, popularizada como “Bandeira do Brasil”, com letra de Theófilo de Barros Filho e gravada por Sílvio Caldas. Cantada em todo o país, torna-se o hino semioficial da Segunda Guerra Mundial. Ainda nesta época, passa a trabalhar em um ritmo intenso para compor quase uma hora de música orquestral, a cada dois dias, para o programa “Instantâneos Sinfônicos Schenley”.

Técnica dodecafônica passa a fazer parte das composições
O compositor inaugura uma nova fase da sua vida, em 1944, quando passa a empregar a técnica europeia dodecafônica, constituída por 12 sons que foge da harmonia tradicional, para compor suas obras. Neste período, ele frequenta, por dois anos e meio, o curso particular de Hans Joachim Koellreuter, dedicando-se cada vez mais à orquestração da música popular. Foi por meio do curso que o compositor Edino Krieger conheceu o maestro. “Aprendi muito ao conviver com o Guerra-Peixe, ele me adotou como um irmão mais novo. A obra dele representa um grande legado para a música brasileira”, destaca o músico.

Em 1945, o instrumentista petropolitano destrói todas as suas composições anteriores, por considerá-las sem personalidade, restando apenas a Suíte Infantil no 1. Neste mesmo ano, ele passa a integrar o grupo Música Viva, que desempenhava importante atuação vanguardista e atuava na Rádio MEC. A convite de Assis Chateaubriand, estreia a Sinfonia nº 1, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na inauguração dos novos transmissores de 50 KW da Rádio Tupi. A melodia é transmitida para quarenta emissoras e, posteriormente, para vários países. A novidade também chega a Petrópolis, por meio de um sistema de alto falantes instalado na cidade.

Nordeste é fonte de inspiração para a fase nacional
Em 1949, Guerra-Peixe viaja a Pernambuco para comemorar o primeiro aniversário da Rádio Jornal do Commercio, quando compõe a Suíte para quarteto ou orquestra de cordas inspirada num pregão de cocada, com os movimentos Maracatu, Pregão, Modinha e Frevo. Obra que, a partir do ano seguinte, passa a ser apresentada nos concertos da Orquestra Sinfônica Brasileira. O músico rompe com o seu antigo modelo de composição e inaugura a última etapa da sua carreira, a “fase nacional”. Ele assina o contrato de trabalho com uma emissora de rádio de Recife para ser orquestrador e compositor e dá início as pesquisas sobre material folclórico.

Em 1950, o instrumentista conquista o primeiro lugar com a obra sinfônica “Abertura Solene”, no concurso de composição realizado pela Prefeitura Municipal de Recife para comemorar o primeiro centenário do Teatro Santa Isabel. Neste mesmo ano, cria a trilha sonora para o filme “Terra é sempre Terra”, com direção de Tom Payne. A obra foi considerada uma das melhores partituras feitas para o cinema brasileiro, segundo Almeida Salles, do jornal O Estado de São Paulo.

Após morar três anos na capital pernambucana, em 1953, o compositor se muda para São Paulo, porém continua pesquisando sobre manifestações artísticas populares na capital e em localidades do interior. Neste mesmo período, o músico compõe a trilha sonora para os filmes “O Homem dos Papagaios”, com direção de Armando Couto, “O Craque” de José Carlos Burle e “Canto do Mar” de Alberto Cavalcanti. Esta última obra rendeu ao músico os Prêmios Governo do Estado de São Paulo e Saci do Rio de Janeiro, além de elogios da crítica cinematográfica várias cidades da Europa, em 1954.

O seu livro “Maracatus do Recife” é publicado em 1955, em São Paulo. O exemplar, contendo 179 páginas com farta documentação musical, recebe crítica favorável e é citado pela Biblioteca Nacional no catálogo de livros sobre o folclore brasileiro. Em 1962, o artista grava para a Rádio MEC a Suíte Sinfônica nº 2 – Pernambucana, o Ponteado e a Suíte para Cordas, regendo, pela primeira vez, a Orquestra Sinfônica Nacional. No ano seguinte, após um longo período sem tocar, retorna como violinista na mesma orquestra.

No mesmo ano, o compositor recebe o prêmio “Melhores do Ano,” pela Sociedade Brasileira de Críticos Teatrais e da Rádio Jornal do Brasil, pela Sinfonia Brasília. Mas é em 1964, que o maestro destaca que recebeu uma das suas maiores honrarias, a medalha Koeler, a mais alta condecoração concedida pela Prefeitura de Petrópolis ao trabalho de seus cidadãos.

A última aparição do músico na televisão e na regência de uma orquestra é no programa “Os Arranjadores” na TV Cultura de São Paulo, em 1992. No ano seguinte, compõe a obra sinfônica Tributo a Portinari, estreada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, durante a X Bienal de Música Brasileira Contemporânea pela Orquestra Sinfônica Brasileira, sob o comando do maestro Mario Tavares. Na ocasião, o violinista recebe o Prêmio Nacional de Música do Ministério da Cultura pela composição da obra.

No dia 26 de novembro de 1993, Guerra-Peixe falece aos 79 anos, no Rio de Janeiro, sendo sepultado em Petrópolis, sua terra natal. Ele deixa um dos mais importantes legados musicais, através de sua intensa atuação não só como compositor, mas também como instrumentista, ensaísta e incentivador da cultura nacional.

Ícone da cultura petropolitana
Considerado um dos mais ilustres cidadãos petropolitanos, o maestro deixou marcas da sua genialidade na cidade. Na composição de quatro canções, denominadas “Cânticos Serranos”, ele utilizou versos de renomados poetas locais, como Mario Fonseca, Raul de Leoni e Reynaldo Chaves. E em sua obra, “Petrópolis da minha infância”, considerada uma das mais importantes do seu repertório, ele imortaliza a cidade, evocando os principais pontos turísticos, como a Praça da Liberdade e o Crémerie, além de uma parte dedicada ao cordão carnavalesco “Índios do Morin” que, na época, fazia muito sucesso na região. Ele ainda é o autor da música “No Estilo da Folia de Reis” composta especialmente para o Coral Municipal de Petrópolis.

Como forma de homenagear o músico, em 2009, a Prefeitura de Petrópolis, por meio da Fundação de Cultura e Turismo, cria o prêmio anual Maestro Guerra-Peixe, como reconhecimento a artistas e instituições locais que mais contribuem para a cultura local. A ação é instituída com a intenção de mostrar as futuras gerações a importância do maestro, compositor, arranjador, professor e folclorista no cenário da música brasileira.

Em 2014, o prêmio, em sua quinta edição, prestou tributo aos cem anos de nascimento do instrumentista com uma série de manifestações artísticas, entre elas, a apresentação da Orquestra Sinfônica Nacional da Universidade Federal Fluminense, no Palácio Quitandinha, atual Sesc Quitandinha, local que sediou a premiação. Ciente da importância do compositor, o Sesc promoveu, na data centenária, atividades artístico-culturais em várias unidades pelo país, difundindo e democratizando o patrimônio musical do país.

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