A Treta, o Meme e o Ultracrepidário
Crônicas do mundo Virtual
Este ano aprendi, no mundo virtual, uma palavra mágica: ultracrepidário. Essa palavra esquisita, de origem inglesa, serve pra dar nome a alguém que se mete a criticar, julgar e dar conselhos sobre assuntos sobre o qual não entende absolutamente nada. A magia está no poder de transformar uma possível irritação em pura diversão. Em vez de entrar na treta e me aborrecer com a ignorância arrogante do sujeito, basta pensar: “Pronto! Lá vem o ultracrepidário!”.
Pra mim, tem um efeito instantâneo. É como se a caixa de comentários virasse um octógono imaginário. Eu, de camarote, vejo o ultracrepidário tentar vencer o oponente custe o que custar. Se o adversário luta dentro das regras do conhecimento, o ultracrepidário entra metendo o dedo de sua ignorância no olho do outro.
Mas como identificar o ultracrepidário? Pode ser um terraplanista com pouca instrução, que fala mal das universidades sem nunca ter frequentado, acha que a ciência só serve para enganar, mas acredita piamente no que dizem outros ultracrepidários nos grupos de zap. Pode também ter curso universitário, mas pouco conhecimento de quem dá a impressão que sempre “passou raspando” e se tornou negacionista.
Semana passada, assisti a um embate de fazer “cair o cool da boonda”, para usar uma expressão de internet. Era um post sobre o físico brasileiro Cesar Lattes. O cientista teve sete indicações ao Prêmio Nobel de Física, mas não levou nenhum. Uma espécie de Glenn Close do mundo acadêmico. A atriz deixou de levar o Oscar em oito indicações.
No caso do brasileiro, há vários fatos e especulações para a injustiça. Um fato é que a política interna do Comitê do Nobel, na época, só concedia o prêmio ao chefe da pesquisa, um cientista famoso; e Cesar Lattes, autor da descoberta, era um jovem desconhecido, com pouco mais de 20 anos. Há também uma especulação é de que membros do Comitê entraram em contato com a Unicamp, onde Lattes era professor. Em vez de o elogiarem, o que fizeram os invejosos? Meteram-lhe a marreta, para usar uma expressão da época.
A conversa virtual ia assim amigável, cada um contribuindo com uma opinião, uma especulação ou um fato, até que chegou o Mister Ultracrepidário com sua explicação definitiva. “Todos esses concursos são dominados por judeus. Por isso, a Adalgisa Colombo não levou o Miss Universo, em 1958”. A essa altura, eu me senti o próprio meme da Nazaré confusa, tentando calcular o que tinha a miss com o cientista. Outros contestaram, citaram não-judeus ganhadores do Nobel, derrubaram as “estatísticas”, mas o ultracrepidário insistia. Chegou até a meter um sobrenome judeu oculto no nome completo de um dos citados. E dá-lhe textão.
Enquanto isso, de repente, me veio à cabeça outro meme: a imagem de Einstein, sentado numa pedra, de roupa de praia. Fez a luz na escuridão! Sobre os dois brasileiros injustiçados – a miss e o cientista – também é possível exclamar como no meme do Einstein: “Nossa, que físico!’.
*Nossa nova colunista arah!, com este seu olhar atento sobre o “mundo virtual”, escreve aqui todas as terças-feiras. Acompanhe!