ACONTECE NA SERRA DO RIO

As idades simultâneas da alma

As idades simultâneas da alma

Dias antes de completar 60 anos, o Facebook me presenteou com a chance de conhecer minha reação ao que modernamente chamam de etarismo. Um novo nome para uma velha prática: a de tentar ofender uma pessoa chamando-a de velha ou se arvorar a limitar atitudes alheias por conta da idade. Que quadradinho cafona, esse que algumas pessoas criam! Limitam-se a si mesmas achando que estão limitando os outros.

Minha primeira reação foi de surpresa e espanto. Primeiro, por me dar conta de que estava perto dos 60 com uma mentalidade ainda mais avançada do que a que tinha aos 20. Depois, porque a pessoa não era uma pré-adolescente tentando se firmar como pessoa: era uma mulher na meia idade, com filho de 16, e que estava xingando de “feia” uma menina de 13 anos, seguido do comentário homofóbico “essa coca é fanta”. Esse foi o motivo de minha intervenção – “feio é seu comentário; feio e cafona”, escrevi. “Você é velha!”, foi a resposta, dentro de um textão cheio de críticas e erros gramaticais.

Então, veio minha segunda reação: boas gargalhadas. Não estava rindo da pessoa nem do comentário ou do textão. Estava rindo de mim, da situação. Diria até que estava rindo de alegria. “Estou prestes a completar 60”, pensei, surpresa e grata à Vida – assim mesmo com letra maiúscula. Quantas idades cabem nesses 60? Dentro de mim, resistem a sonhadora de 10, a adolescente de 13, a apaixonada de 17, a teimosa de 29, a doida de 35, a potente de 43, a resignada de 50. Ou deveria dizer: a sonhadora de 55, a teimosa de 10, a potente de 25, a apaixonada de 43 e por aí?

Troco adjetivos e idades e permaneço eu: ora potente, ora resignada, ora chateada, ora feliz da vida, ora rindo à toa. Sempre aprendendo. Com uma novidade: não há mais espaço para me preocupar com a opinião e as crenças alheias projetadas em mim. Ela acha que uma mulher de 60 deve se limitar a fazer tricô para netinhos, como me sugeriu? Lamento por ela. Com sorte, em 20 anos, ela terá os 60. Tomara que descubra até lá que há muito mais a fazer.  E sonhar, realizar, compartilhar. Aprender e ensinar.

A Vida, para muito além do mundo virtual, se realiza fora do cercadinho etário. Há muito o que compartilhar com pessoas de todas as idades: um curso de idiomas, uma maratona de série de streaming, aula de dança, caminhada na mata, show de rock (eu que o diga; ainda estou respirando o Rock The Mountain). Podemos tocar um instrumento e até formar uma banda; participar de uma roda de conversa ou de roda de samba. Criar projetos profissionais ou planejar ações para um mundo melhor, misturando pessoas de todas as idades.

Sempre é tempo para rascunho, ensaio, realização, tenhamos 12 ou 62 anos.

Fiquei pensando sobre essas pessoas e assuntos que aparecem nas redes sociais. E veio minha terceira reação ao episódio de etarismo. Depois de me espantar e gargalhar, rindo de mim mesma e de gratidão pela Vida, enxerguei a ideia que estava ali – e sempre está quando entro na internet e abro uma rede social. É a riqueza – explorada ou inexplorada – do mundo virtual.

Aquela mulher na faixa dos 40, que  possivelmente está se adequando a alguma crença limitada sobre idade, me gerou a ideia para esta coluna no Acontece na Serra, para a qual a jornalista Andreia Constâncio me convidou.

As “Crônicas do Mundo Virtual” vão percorrer esse território, buscando apurar a visão para as crenças, expressões, sentimentos… filosofias de vida que enriquecem as redes sociais. Afinal, em comentários e posts, deixamos escapar ou tentamos escamotear nossa Luz e nossa sombra. E se somos espelhos uns dos outros, podemos descobrir nas imagens de uns e outros que temos muito mais em comum do que pensamos.

E, para além de etarismos e outros preconceitos, podemos descobrir, aproveitar e celebrar o ABCD+ e as surpreendentes idades simultâneas da alma.

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