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O menino e as “azmadame” fiscais de estátua

O menino e as “azmadame” fiscais de estátua

Gosto de seguir alguns grupos de cidades nas redes sociais. Escolho páginas que foram criadas por moradores de lugares de alguma forma representam algo na minha vida: onde nasci ou morei, que visitei ou que quero conhecer. Pra mim, o grupo é um termômetro de como é a vida daquela cidade. Uma que sigo é de Petrópolis, onde nasci e moro atualmente.

Como trabalho de casa, a vivência presencial da cidade é rara: umas poucas vezes saio para consultas, compras, encontros. Como vivi a maior parte da minha vida perto do Centro Histórico, conheço bem a chamada “Petrópolis a pé”: Rua do Imperador, Museu Imperial, Praça da Liberdade, Avenida Koeler, Catedral e outros pontos turísticos.

Desde criança, ouço falar da pouco explorada vocação turística de Petrópolis. Cansei de ouvir “podia ter isso, podia ter aquilo” e muitas reclamações sobre a falta do que fazer. Estranhamente, sempre que surge um lazer espontâneo, como um festival de música por exemplo, aparecem também uns dondocos reclamando do barulho.

Achei que a página de “amigos” incluiria pessoas que pudessem discutir ideias para movimentar a cidade e aproveitar melhor a vocação para turismo. Mas não: uma significativa parte das publicações se resume ao bom-dia-boa-tarde-boa-noite com imagens de gatos, anjos e flores. Nada contra, mas isso nada tem a ver com Petrópolis.

Claro que  também tem postagens boas: fotos de um passado remoto ou atuais, mas clicadas por gente que, vivendo mais plenamente a cidade, consegue enxergar e fotografar ângulos inéditos de mesmas paisagens. A gente se surpreende com curiosidades históricas ou com um ponto de vista original tornam frescas antigas imagens. Por esse novo olhar, a cidade renasce.

Entro na página para ver se há algo assim. Eis que alguém publica uma foto diferente da estátua de D. Pedro II sentado na praça que tem o seu nome. É um ângulo comum. A diferença é que a foto mostra uma turista fotografando um menino que escalou a base do monumento para simular estar ao lado da cadeira de D. Pedro. Uma brincadeira de interação com a estátua, coisa que fazem turistas no mundo inteiro.

Mas em Petrópolis não pode. “Azmadame não quer”. Logo vem uma enxurrada de comentários xingando o garoto. Tem gente que culpa a guarda municipal, outra sugere cercar a estátua, outra acha que os próprios moradores deveriam se juntar pra impedir o “vandalismo”. Alguém rebate: “Não tem vandalismo nenhum. A estátua continua lá igualzinha como estava antes da foto”. Concordo.

Particularmente, acho interessante e penso que seria até mais divertido se o garoto tivesse se recostado no braço da cadeira, como um neto ouvindo atentamente as impressões do avô. Mas “azmadame” continuam reclamando. E alguém completa: “esse tipo de turista nem traz nada pra cidade”.

Olho de novo a foto: aparentemente, são pessoas classe média, que podem ser moradores, parentes ou visitantes em pacotes econômicos. Percebo o preconceito, em pegadas de aporofobia (aversão a pessoas pobres). Pergunto-me: se o menino estivesse ostentando tênis caros, roupas de marca, uma maçã no celular, a reação seria a mesma? Ou diriam “que menino divertido!”?

Turistas com pouco dinheiro também compram, consomem, divulgam a cidade com suas fotos. No Centro Histórico, há restaurantes e lojas para todos os bolsos. E todos os turistas – milionários ou não –  movimentam o comércio e serviços. Mas os “dondocos” – que também são claramente classe média – se acham diferenciados.

Logo entendo o porquê de, mesmo tendo vocação para o turismo, com riqueza histórica, bela arquitetura, natureza exuberante, como costumam dizer, Petrópolis não decola: a ignorância e o preconceito imperam, para usar um verbo que combine com o título de Cidade Imperial. Seja reclamando de festivais de música de jovens locais seja reclamando de turistas, ainda há muita gente que se acha mais imperial que o imperador.

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