Multiplicidade em atitude Rock
Adriana Avellar
*Cobertura especial do Rock The Mountain
*Um olhar especial sobre o evento!
Se fosse escolher uma palavra para manifestar o sentimento Rock The Mountain, eu usaria multiplicidade. Só pra não usar a agora tão desbotada diversidade, que de tanto uso específico anda sendo encaixada num sentido limitado. Pluralidade também seria uma boa escolha. De tudo: de gênero, estilo e gosto – de identidade, de expressão pessoal, artístico e musical; idade, etnia e até de humor. Os organizadores deram merecido destaque à sustentabilidade. Teve também. E teve muito. Aplausos. Mas o que me encanta mesmo é a constatação de que é possível reunir tanta gente diferente num mesmo lugar em convivência harmoniosa.
É claro que sempre aparece algum dissonante. Eu mesma presenciei um desentendimento – e senti gana de me envolver, confesso. Um sujeito achou uma boa ideia se infiltrar na multidão, e se postar em frente das pessoas, quando o show já havia começado fazia um tempo. E escolheu justamente um lugar entre um casal, ocupando a posição de recheio indigesto num sanduíche involuntário. Quando chamado à atenção, sentiu-se ofendido e perseguido, ameaçou chamar os seguranças. Queria ter visto isso – é como alguém chamar a polícia para ser preso. Mas, em vez disso, ele deu mais uns gritos e finalizou com uma dramática e improvável frase: “Você é feia!”. A última vez que ouvi esse xingamento, tinha uns quatro anos de idade.
Mas, excetuando situações como essa, a harmonia imperou. Vi roqueiras e roqueiros paramentados no indefectível figurino preto, prata e botas pesadas, chorando romanticamente com Marisa Monte. “Amor, I Love You”. Tinha também coloridos adolescentes se esbaldando no pagode de Alcione, ou cantando junto sucessos antigos de Paula Toler. E eu aqui, usando a palavra antiga para me referir a algo da Paula Toller, minha contemporânea. Vi crianças encantadas com a voz de Maria Bethânia.
Não é a toa, aliás, que Maria Bethânia é chamada pelo título de Orixá. “Basta a presença dela!”, “Maravilhosa”, ouvi, depois do show uma conversa entre mãe e filha. Sim, a cantora é uma “Presença”. A Presença! Estava no meio da multidão e não posso garantir, mas tive a impressão que foi o show que reuniu a maior platéia. Mais que aplausos, reverência! Música de alvoroçar sentimentos escondidos, trazer à tona lágrimas represadas e curar! Aconteceu comigo. Pensei que estivesse só. Mas ouvi comentários semelhantes, espichando os ouvidos em conversas alheias. Maria Bethânia é, de fato, energia pulsante.
A palavra rock, em Rock The Mountain, com certeza, vai além de gênero musical. Teve rock, o gênero musical? Teve. Pitty estava ali pra provar. Mas teve multiplicidade de atitude rock’n’roll em outros estilos musicais. Quer atitude mais rock que a de ser indicada ao Grammy, sendo independente, preta, nortista, mulher? Pois Gaby Amarantos compartilhou, durante o show, esse sentimento de vitória. “Amanhã, viajo para Sevilha (Espanha) concorrendo ao Grammy”. A cantora de Tecnobrega concorre ao prêmio de Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa. Saber-se vitoriosa independente do resultado é rock demais. Pluralmente rock.
Pluralidade rock combina com… Rita Lee presente! A rainha do rock estava lá. Nos shows, lembrada por Marisa Monte e Paula Toller em canções icônicas. Em um dos vários espaços do evento, homenageada pela fila gigantesca de fãs aguardando a vez para fazer uma selfie diante da gigantesca arte inflável, de mais de sete metros de altura, criada pelo coletivo de arte Cool Shit.
Até eu, avessa a fotografias, arrisquei um clique em dia de rolê “cazamigas”. Todas muito rock, em pluralidade, multiplicidade e diversidade.
*Arte da imagem principal/crédito: jornalista/roteirista e coller (artista de colagens): Adriana Avellar